Há mais de 40 anos, George Clinton lidera uma das mais influentes
bandas de funk da história, embora seu papel nela seja tão essencial
quanto indefinido. Nas diversas encarnações do Parliament Funkadelic,
desde os anos 70, o homem toca teclado e canta, sempre com o auxílio de
craques que fazem isto tão bem ou melhor que ele. Ao vivo, George anda
pelo palco durante boa parte do show e sua voz é ouvida só de vez em
quando, o que faria qualquer outro líder de banda ter uma importância
questionável. No entanto, como mostrou no frio da madrugada deste
Sábado, ao encerrar a primeira noite do festival Black na Cena, George
consegue ser a âncora da sonoridade psicodélica.
Em frente a um público pequeno, que tinha uma roda de break dancing
ao centro e não preencheu nem metade da Arena Anhembi, sua figura era
imponente: casaco preto, chapéu de almirante, cabelo aparado, sem os
característicos rastas coloridos. Aparentava estar um pouco fragilizado
devido a uma infecção na perna que o deixou de cama, no hospital, no fim
de maio. Sua voz, meio rouca, pontuava alguns refrões mas deixava as
partes difíceis para os dois lead singers da banda. Mesmo assim, a "nave
mãe", como dizem os versados na mitologia da banda, havia aterrissado.
Durante uma hora e meia, George botou a arena para dançar ao som de seu
carnaval sonoro, que incluiu hits como Flashlight e We Want the Funk
tocados por uma banda de doze a quinze pessoas.
A sensação de coletivo inerente a uma apresentação do Parliament
Funkadelic estava em evidência, pois a ocasião marcava o aniversário de
George e o recém-setentão recebeu no palco o rapper Flavor Flav, figura
central do lendário Public Enemy, que tocou na noite de sábado. Flav foi
responsável por boa parte do ímpeto da apresentação. Rimou, cantou,
dançou. E a grande família de George não só o recebeu durante todo o
show, como o deixou ficar à frente do palco, agitando a plateia como se
fosse a atração da noite: um gesto de camaradagem e respeito entre duas
gerações da música negra.
Flav não foi o único destaque. Na terceira música, George chamou à
frente do palco sua neta, Sativa, que improvisou rimas com destreza,
além de soltar o vozeirão soul. A banda suingava com a intensidade de
quem é macaco velho, mas não perdeu a vitalidade. O público se deixava
levar a cada música, tanto pela força rítmica da música quanto pela
necessidade de se aquecer. A cada número, o ritmo ficava mais compacto,
envolvente. Como se os músicos precisassem de um tempo para sentir as
nuances sonoras do local. Em cima de tudo isso, a parafernália sonora do
Parliament Funkadelic: sintetizadores afiados, azedos, arranjos de
metais; solos de guitarra que vão do thrash metal à escola de Hendrix.
Os backing vocals são precisos. Cantam refrões com uma precisão
milimétrica que funciona como uma segunda linha de metais. Quando George
falou, foi em um discurso poderoso, não muito diferente do de um pastor
batista, sobre a importância do ritmo. Quando cantou, foi com uma voz
estava áspera, visceral como a de Tom Waits.
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